quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Pelos Cigarros.

     Dói em mim saber que talvez eu ouça sua voz e não sinta arrepios. Dói em mim saber que o seu olhar não vai fazer meu corpo todo tremer e meu coração quase pular pra fora do peito. Dói em mim saber que os pêlos do meu corpo permanecerão inertes ao seu toque. Eu jurei te esperar.
     Eu continuo sentada naquele mesmo sofá, e a televisão parece passar o mesmo programa em preto e branco há uma semana. Não consigo mudar de canal. Acho que estou assistindo a morte da minha própria vida. Esse programa é realmente entediante. A porta range, e isso me incomoda. Eu ainda posso ouvir seus passos, foi estranho quando você saiu. E era só um maço de cigarros, mas faz tanto tempo. Você já deve ter fumado todos. Minha raiva já passou, a dor também cessou. Meu travesseiro está um pouco cansado de ouvir minhas confissões. Das lamúrias, creio que ele já esqueceu. Eu ainda posso ouvir seus passos, mas não consigo mais me lembrar do seu rosto. Isso está me incomodando um pouco. Quando você chegar, como vou saber que é você? Os passos, é. Então ande devagar.
     Mais tempo se passou, meu café está frio, o outono chegou e o quintal está cheio de folhas secas. Não te ouço mais e não me recordo dos seus passos. Na verdade, tenho que me lembrar de lembrar de você. Não te espero mais, essa procura incansável me cansou. Essa sede insaciável secou. E não há mais ninguém. Hoje eu não consigo mais falar do passado. Não consigo mais lembrar do que é dor. Sinto-me oca, como uma árvore velha, um tronco consumido pelos insetos e pela chuva. A chuva se foi também. Eu não falo mais da dor, eu falo da angústia, do vazio, do nada. Sinto não sentir nada. Agora a porta está fechada.



- (A casa, O caos)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Ensaio sobre o amor.

Deixa eu te ensinar a amar. Ok, confesso, eu também não sei. Mas acho que poderíamos aprender juntos. Deixa eu te mostrar que pitada de ciúme equivale a prova de amor. Equivale a preocupação. Entenda, é uma maneira suave de dizer: Não me deixa. Para de pensar e sente. Para de perguntar e me segue. Permita que nos percamos, podemos nos achar. Eu sei que isso tudo é muito cafona. Tem coisas bem clichês e uma série de palavras repetidas. Talvez alguém já tenha dito algo assim pra você, porque eu sei que você já sofreu. Já acreditou um dia. Eu também, é. Quem nunca sofreu na vida? Pára de pôr obstáculos nas coisas boas da vida. Eu sou confiável, juro. Sou infantil, mimada, ciumenta e preciso de atenção. Mas sou sincera. É sério, não ri. E corajosa, não é qualquer uma que fala uma coisa dessas assim, né. Me dá a mão. Não mordo. Me dá a mão. Me segue, vem comigo. Eu vou te levar pra lugares que você desconhecia, eu vou te mostrar toda a tolice que é o amor. Todas aquelas juras de amor eterno que duram um mês, sabe. Não, não. Não me refiro a nós dois, falo deles, dos outros sabe. A gente é diferente. Você se importa se eu falar "a gente"? É que como você está tão calado, não sei se fica chateado de eu englobar tudo assim. Era isso, basicamente. Quero que você venha comigo, não sei pra onde. Quero que você permita que eu te ame. Quero que você se permita me amar.






- Ô filha, tá falando com quem? Sai da frente desse espelho, vai estudar.
- Tá bom, mãe. Droga - sussurra - Um dia, eu vou ter essa coragem. Eu vou falar, escrever, gritar. Nem que seja na cantina, na aula de química, no ônibus. Tá certo, tenho que parar de ensaiar.






Mas era tudo verdade. Deixa eu te ensinar a amar.

Arrumando a casa.

Hoje eu decidi arrumar a casa. Essas escolhas nunca são fáceis, não é tão simples quanto parece. Não consiste apenas em jogar as tralhas fora. As vezes nos apegamos as tralhas. As vezes as amamos. Você fazia parte do meu armário, da minha casa, das minhas tralhas, da minha vida. Eu sei que vou ficar na merda depois de tudo isso, mas eu simplesmente não posso mais te deixar ocupar aquela gaveta. Eu a quero vazia, aberta. Essa chuva na janela está me incomodando e eu já não sei mais se o que digo faz sentido.
Eu queria que você entendesse que estava tudo arrumado quando você chegou e agora, agora mesmo, neste momento, estou procurando o que é meu nesses escombros. Está um pouco difícil andar entre ruínas, as vezes corto os pés, me machuco, sangro. Eu não te culpo por isso, não pelas feridas nos meus pés. Eu te responsabilizo pela bagunça que fez, pelas dúzias de bombas que derrubaram os meus alicerces. Preciso te dizer tudo o que estava engasgado. Preciso jogar os papéis roídos pelas traças na sua cara. Preciso que você veja o que fez. Todas as noites, eu colocava no lugar, um tijolo que havia caído. Você não percebeu, eu tomei o cuidado de fazê-lo enquanto você dormia. Aqueles pedaços de parede que caíram quando eu descobri que não era só a minha casa que havia sido invadida por você, também foram reconstruídos na madrugada. Deu trabalho, confesso. Aqueles calos nas mãos eram por isso, tive que esconder. Era preciso varrer bastante. Entrava muita poeira, quando você fugia e deixava a janela aberta. Eu te disse: - Pode ir pela porta, só passa a chave.
Eu vou sair dessa postura passiva, eu vou parar de catar o seu lixo, remendar suas camisas. Saia da minha casa, não peço mais. Não há mais nada seu aqui. Nem eu. Deixe a cópia da chave debaixo do tapete, pague a conta da padaria e esqueça o caminho da minha casa. Agora ela é minha, agora eu sou minha. Mas faça isso rápido, preciso arrumar a casa.

- (A casa, O caos)

Ps 1.: Psicografia, hm.
Ps 2.: Dedico e agradeço à: Mariana Mata de Assis - hoje e sempre.

Um sonho de Pierrot e Um beijo de Arlequim.






Era uma vez uma Colombina. Era uma vez um Pierrot. Era uma vez um Arlequim. Ah, o Arlequim. Cheirava a paixão, tinha nos olhos o fogo que arde, que queima sem se ver ou sentir. E sabia disso. Sabia do seu poder, e podemos dizer que sabia até mesmo de sua lábia. E tinha manejo com as mulheres. Seria capaz de ter a que quisesse em sua cama, à sua espera. Fazia uso disso quando lhe convinha, e lhe confesso, era a hora.
Agora junte algumas gotas de lágrima, uma pitada de sensibilidade e um farto punhado de ingenuidade. Eis o Pierrot. Aquele bobo apaixonado, mal amado talvez. Mas que guarda no peito e no olhar a esperança de encontrar quem ele espera. Experiência ele não tinha, talento não se pode afirmar, mas como disse, ele tinha esperança. Ele sabia alcançar a alma, e sabia se valer disso. Sabia, pode acreditar.
Colombina. Figura altiva, sedutora. Tinha um olhar diferente, de mulher. Ela era diferente. Dizem que ela tinha o poder de hipnotizar, de seduzir, de virar a cabeça. Era da pá virada, é. Não que isso a tornasse má pessoa, mas seus desejos as vezes falavam tão alto que emudeciam as vozes da razão. Razão? Era Carnaval, e quem precisa de razão?





Era segunda-feira de Carnaval e o Baile de Máscaras parecia feito de magia. O Pierrot apaixonado, não pode acompanhar sua Colombina, que mascarada circulava no salão exalando seu odor de quem sabe - ou não - o que quer.
- Me desculpe, não foi minha intenção derrubar sua taça. Posso lhe trazer outra.
- Tudo bem, é Carnaval. - e se abriu o sorriso de Colombina.
- Perdoe-me a ousadia, mas posso saber seu nome?
- Colombina. - e saiu, com o mesmo sorriso.
E ficou o Arlequim intrigado, e passou a noite procurando aquela Colombia, aquele sorriso. Nem que fosse por aquela noite, ele precisava tê-la em seus braços. As Máscaras se confundiam, e após abordar sem sucesso diversar senhoritas, o Arlequim desistiu. E se foi, para o jardim, de onde seria mais fácil acessar a rua e caminhar sem rumo, sem Colombina.





- Não é de hoje que eu ouço dizer que Arlequim não desiste fácil.
Virou-se o Arlequim sem acreditar que ouvia aquela voz novamente: - Perdoe-me novamente, mas, se eu não ousar agora, posso me arrepender por toda a vida.
E ambos se entregaram em um beijo que durou toda aquela noite. Era como se já se conhecessem há séculos, anos luz, e precisavam que seus olhos se cruzassem novamente.
Era terça-feira de Carnaval, e foram para o baile, Colombina e Pierrot. Exatamente, Pierrot dessa vez, fez questão de acompanhá-la. E ela, agia com naturalidade. Talvez pra ela tudo fosse natural.
- Boa noite, Colombina. - disse o Arlequim.
- Boa noite. - o Pierrot fez questão de ser o mais enxuto e seco possível. Conhecia o Arlequim e sabia do que ele era capaz.
- Podemos conversar? - indagou o Arlequim.
E como se soprasse rosas, a Colombina respondeu: - Podemos, os três.
- Eu não tenho assuntos a tratar com esse Arlequim, Colombina.
- Pierrot, preciso que saiba que nos beijamos ontem.
- O quê?! - a cabeça do Pierrot parecia pesar uma tonelada, e nada mais fazia sentido.
- Pierrot, eu não sou só um Arlequim conquistador. Me apaixonei pela sua Colombina, e agora ela será minha. - juro, essas palavras pareciam punhais no coração do Pierrot.
- Não é bem assim, Arlequim. Ouçam. - disse a Colombina - Preciso dos carinhos do Pierrot, e dos beijos do Arlequim. Um só não me completaria, descobri que o amor floresce da união de ambos. Meu corpo pertence ao Arlequim, e minha alma pertence ao Pierrot. Nada mais é meu. Não sou dona de mim, de nada.
- Não posso viver sem você. Eu sempre fui um Pierrot triste, mal amado. O destino do Pierrot é chorar pelo amor da Colombina.
- E eu? Ai de mim, atado nesse amor do qual não consigo sair. Já é madrugada, mas sei que amanhã não será um novo dia, nunca terei você, Colombina, só pra mim.
- Eu peço, entendam. Se vocês se unissem em um só corpo, nosso amor morreria. Preciso do céu e da terra, da água e do fogo. Te amo, Pierrot. Te quero, Arlequim. É carnaval, tudo vira luz. A quarta feira já vem, e vai transformar tudo em cinzas. O amor do Arlequim, do Pierrot e da Colombina.
- Não precisa ser assim. - concluem todos.
- Teremos o amor em sua plenitude, sem barreiras, mentiras ou ilusões. Um é sol, outro é lua, e assim se completam. Porque a história do amor pode escrever-se assim: Um sonho de Pierrot e Um beijo de Arlequim!






Livre adaptação.
Créditos: Menotti Del Picchia