sexta-feira, 28 de maio de 2010

2 (Parte I)

Enfim sós. Cada qual na sua solidão, necessária solidão. Vou escrever um samba sobre o fim. Uma baladinha ou talvez até um metal melódico. O importante é retratar, re-tratar esse momento. Você se lembra do começo? Ah, eu lembro. De toda a loucura que foi começar, da brevidade daquele começo, do começo daquela brevidade. Droga, era pra eu escrever sobre o fim. Do começo falo depois, mais tarde, em outra divagação noturna. Corrijo-me, eles se entrelaçam. Apesar de não entender exatamente tudo, creio que há explicações no começo, no meio, no que virá. Mudamos. Ambos. Do começo até o final nos metamorfoseamos e negamos quem um dia juramos ser. Em silêncio. Só de você pra mim. E foi recíproco. O nosso "nós" se desintegrou como um castelo de areia e nós o assitimos desmoronar. Eu ainda tentei reconstruir, remoldar, mas sozinha foi difícil, falhei. E nessa falha me vi sozinha. Sozinha a dois, a pior de todas as solidões. Você estava do meu lado mas não me oferecia companhia, não me oferecia sua alma, seu coração, seu eu. Tentei novamente e falhei mais uma vez.
Apesar de consumar um fato em um momento de tensão psicológica, minhas pré análises não levavam a outra coisa. Eu analisava tudo, eu queria encontrar um motivo. E vou lhe contar um segredo: - Eu só queria um pretexto pra voltar atrás. Eu não queria fazer tudo aquilo.
Se lhe restarem dúvidas do motivo de minhas lágrimas, saiba que choro por tudo que não tivemos, por tudo que não vivemos, por tudo que não realizamos. Pelos lugares onde não fomos, pessoas que não conhecemos, comidas que não degustamos, brigas que não tivemos. Choro pelo que não foi, pelo não ser. Não sei. Hoje eu não estou triste. Não estou com raiva. Nem mágoa há em mim. Há um conjunto de lições que aprendi em todo (todo?) esse tempo. Você foi um parágrafo na minha vida, e lhe dedicarei alguns em meus rabiscos e rascunhos. Pega seu atalho que eu sigo a minha estrada. Nos encontramos no final.

E a última.

   Eu tinha dito à ele que não chegaríamos a lugar nenhum. Não daquela maneira. Ele assentiu com a cabeça, e pareceu concordar. Não concordou. Disse que tudo iria mudar e que provavelmente nossos problemas seriam causados pela minha instabilidade. Sempre a instabilidade. Que seja assim.
Quando cheguei, ele estava sentado na poltrona e lá ficou. Disse boa noite sem me olhar, é claro, não podia perder o futebol. Se o Pet faz um gol e ele não vê porque eu estava na frente da TV, ali acabaria o mundo.
Fiz meu café. Ia ser uma daquelas madrugadas longas, sofríveis, com pilhas de livros e litros de cafeína. Ofereci. Ele não aceitou. Continuou olhando o jogo. Juro que parecia que ele estava colado no sofá e com um imã ligando seus olhos ao aparelho televisor. Toca o telefone. Ele se levanta, atende e fica cronometrados 58 minutos conversando animadamente. Do escritório eu pude ouvir as gargalhadas. Ninguém era muito divertido. Digo isso porque quando questionado, ele me respondeu prontamente que falava com ninguém. Ninguém com certeza era mais engraçado e divertido do que ele.  
Passaram-se horas, eu com meu café, e ele dormindo. Era esse o quadro. Terminei minhas leituras e me sentei do lado dele na cama. Ele não estava dormindo, como eu imaginava. Virou, me olhou e perguntou:
 - O que é?
E eu respondi: - Vamos conversar?
Ele: - Agora?
Eu: É.
Era necessário que tudo fosse mecanizado, simples, sintético. Comecemos:
- Você sabe que essa situação está insustentável. Nós não nos falamos, não nos tocamos, evitamos nos olhar. Sabemos que acabou e não vai adiantar ficar procrastinando isso. Nem vai doer mais. Estamos vacinados contra tudo isso. Estamos imunes um ao outro. Compreendo que você esteja acostumado com o meu café, com o meu cheiro, com os meus livros empilhados e filmes em preto e branco. O problema é que você nem vai se sentir vazio sem isso tudo, porque você já está vazio. Nossa fonte já secou. Façamos assim: O disco dos Beatles eu levo agora, vou precisar dele aonde quer que eu esteja. O faqueiro francês fica pra você, foi presente da sua mãe, e nossas alianças... Eu gostava delas, apesar de terem apenas valor simbólico. Nada era muito oficializado. Bem, cada um decide o que fazer. Amanhã venho de carro e vou levando o resto das coisas. Deixo a cópia de chave debaixo do tapete quando terminar. Tudo bem pra você?
   Houve um longo silêncio e um desconforto vivo, pulsante, tangível. Ele não disse nada. Sentou e abaixou a cabeça. Foi a primeira vez que eu o vi chorar. E a última.